quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Ainda os especiais de natal

Sei que esse texto está um pouco atrasado. Ele foi escrito em 24/12/2008, mas aí vai:

É natal. É tempo de falar dos especiais de Natal. Deixarei um pouco de lado o fato de que a maior emissora do país oscila entre a mesmice de Roberto Carlos e a completa maluquice de Nada Fofa para me debruçar sobre um problema mais específico: o especial "O Natal do Menino Imperador". Passa-se, o citado especial, na época pré Segundo Reinado. Trata-se da fictícia história da "amizade" entre o jovem futuro imperador Pedro II e um escravo. Foi feito para ser tocante, emocionante, "uma lição de amizade", dizia o anúncio.

Amizade? Creio que a relação mostrada no especial é assimétrica demais para se chamar de amizade. Uma das últimas cenas, a que analisarei aqui, revela isso muito claramente. Nela, Pedro II e seu amigo-escravo (com ambiguidade e tudo) trocam presentes. O presente do imperadorzinho para seu amigo é um par de sapatos. Ora, se os escravos não poderiam usar sapatos, o presente de Pedro para seu "amigo" é nada menos que a liberdade.

Pois bem, numa relação simétrica como a amizade esse tipo de presente não é permitido, ao menos não como presente. Tratar-se-ia da reparação de uma injustiça - a escravidão - e não de uma dádiva. O efeito é o tão repetido, tão reafirmado e assimilado mito da bondade do branco. O menino branco é o bondoso libertador do menino negro. Sob sua égide está a vida de um garoto de quem ele diz ser amigo. E a cena final do especial não ajuda questionar isso. Acontece (meu Deus, ainda?) a mera repetição do mesmo chavão batido. Como se liberdade não fosse um direito inalienável do ser humano.

E como se libertar alguém não fosse uma forma de oprimi-lo. Ao invés de pôr em cheque a versão oficial com respeito à relação entre brancos e negros no período escravista, o especial da Globo reforça essa versão. E o que é pior: disfarça esse reforço com uma pele de questionamento. É uma tentativa de parecer um índice de deslocamento da história oficial quando, na verdade, não passa de uma estratégia de manutenção dessa mesma história. Em uma palavra: um embuste.

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