sexta-feira, 31 de outubro de 2008

CQC e o neurocirurgião

O "Top Five"(quadro do programa CQC da Band que traz cenas curiosas de outros programas da TV aberta e fechada) da segunda-feira, 27/10/2008, apresentou em primeiro lugar a fala de um neurocirurgião. Dizia ele: "Quatro horas toma um café - os ingleses até tomam chá: coisa de boiola..." E eu aplaudo a esse neurocirurgião. Nessa única frase ele consegue fazer o que ninguém até hoje havia conseguido: estabelecer uma atitude que é comum a todos e tão somente aos gays. E mais, quem sustenta a indústria de chá no mundo todo são eles. Mas como se não bastasse, ele continua: "...chá, inclusive, eu acho meio brochante..." Muito bem, eu só não entendo como a Inglaterra ainda tem população.

A fala desse neurocirurgião, cujo nome foi preservado, é, como se nota, carregada de preconceitos. Primeiro contra os gays. Depois, contra todos os que tomam chá. Depois, loucura das loucuras, contra o próprio chá, coitado, que leva fama de brochante. Isso, vindo de alguém que não entende do assunto até que passa. Mas um médico, que sabe que cada chá tem uma composição própria, que sabe (deveria saber) que a fitoterapia tem tratado doenças, inclusive impotência, através das ervas medicinais, e que tem influência sobre as pessoas quanto a esse tipo de assunto, deveria ter mais cuidado com o que diz, especialmente na televisão.

Mais interessante ainda é a recepção dessas declarações pelos apresentadores do CQC. Eles ridicularizam a opinião do neurocirurgião, anulando assim as observações amalucadas dele. Mostraram que é possível fazer do humor uma forma divertida de ser politicamente correto. A atitude deles deveria ser seguida por outros programas humorísticos. Ao invés de ridicularizarem as minorias, deveriam fazer de suas piadas uma forma de anular os preconceitos e discriminações dos grupos hegemônicos.

sábado, 25 de outubro de 2008

TV Xuxa e a perpetuação de estereótipos

Infeliz. Eis como considero a apresentação da dupla "As absorventes" no concurso de paródias da "Tv Xuxa" do sábado, 4 de outubro de 2008. Como foi exaustivamente repetido após a apresentação das meninas, elas são boas comediantes. A paródia foi bem feita. A intenção da apresentação foi humorística. E elas são excelentes atrizes.Mas não posso deixar de fazer uma ressalva, aliás, da maior pertinência: a repetição de estereótipos com respeito à representação do negro. Uma das garotas aparece pintada de preto, com a boca excessivamente vermelha e uma peruca de cabelos desgrenhados. É a síntese da ridícula representação do negro perpetrada e perpetuada no decorrer dos séculos. Esse tipo de figura negra padroniza e coisifica a etnia. Foi uma escolha muito infeliz, mas que talvez revele um imaginário que perpassa nossa mente e nosso discurso e talvez nem percebamos.

Para piorar ainda mais as coisas, acrescento à minha análise dois elementos: a representação masculina e a própria paródia. Pensando tudo isso como um único conjunto, temos uma negra (estereotipada até o limite, conforme explanei acima) sendo detratada e tendo atribuídas a si características negativas (odores desagradáveis nas axilas, flatos) por um homem de pele clara. Em outras palavras, a mulher negra sendo maltratada pelo homem branco. Não sei, mas isso se parece muito com uma situação que deveria ter sido extinta em 13 de maio de 1888. Vimos ainda, em resultado da escolha dos personagens a ser representados, o homem branco como aquele que traz "civilidade" (é ele quem aconselha: use talco pra chulé). E mais uma vez todas as qualidades negativas são atribuídas ao negro.

Destaco também o paulatino apagamento da voz feminina e negra. Não lhe é dado falar, pois sua voz não tem importância, o que apenas reforça o processo de coisificação, já aludido. A fala pertence apenas à representação masculina e branca. Não há direito de defesa. Em certo sentido, ainda bem, já que, se considerarmos o conjunto, a única representação verbal que poderíamos esperar da personagem negra seria o caricatural português "estropiado", cheio de sons guturais, como é comum em estereótipos desse tipo.

Não pretendo listar aqui medidas que desagravariam a apresentação das "absorventes", que a tornariam menos problemática. Ressalto, porém, que a repetição desse tipo de representação num programa infanto-juvenil em pleno sábado de manhã apenas ajuda a perpetuar nas mentes de crianças e pré-adolescentes estereótipos e preconceitos que, na verdade, nos cumpre extirpar. A emissora demonstra, assim, sua falta de engajamento com movimentos que não são recentes e que ganham cada vez mais força, no sentido de retirar pechas da imagem tanto do negro quanto da mulher.